quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Isabel e Eduardo

Isabel tem um melhor amigo chamado Eduardo. Isabel e Eduardo conversam praticamente todos os dias, há cerca de cinco anos, e em sua maioria via sms, já que com as suas vidas corridas, não conseguem se encontrar sempre. Eles amam escutar rock e grunge, ler quadrinhos e assistir animações da DC Comics e Marvel, criarem discussões filosóficas sobre o significado do instrumento musical de um certo cantor estar sempre quebrado e coisas do tipo, e principalmente, amam fazer piadas um com o outro sobre suas próprias  mirabolantes vidas. Antes de virarem amigos, Isabel sabia que Eduardo era apaixonado por ela. Ele era um rapaz muito tímido, quase não falava; mas ela sempre percebeu seu 'jeito sem jeito' perto dela.  Na época da escola, quando tinham  14 anos, Isabel sempre estranhou o fato de Eduardo andar com um grupo de pessoas que em nada se pareciam com ele. Esse grupo gritava, ria de coisas estranhas, falava besteiras e Eduardo não era assim, pelo menos não quando ela estava por perto. Sendo bem sincera consigo mesma, Isabel achava Eduardo um cara estranho. Meio desajeitado para andar, hesitante para falar, e sempre tão tímido. Se tinha uma coisa em Eduardo que Isabel gostava era seu cabelo. Sempre molhado, arrepiado, quase preto. Era diferente de qualquer penteado que ela já havia visto. A amizade começou assim, com Isabel simplesmente dizendo o quanto gostava do cabelo de Eduardo. E foi somente disso que ele precisou para deixar Isabel grudar nele, como um chiclete de seu sabor favorito. Eduardo sempre enviava mensagens de sms para Isabel, com assuntos que sempre viravam grandes papos e grandes risadas. Mas quando Isabel chegava na escola e tentava comentar sobre os assuntos virtuais olhando nos olhos, Eduardo não conseguia ser tão aberto. Isabel entendia o porque. Então ela deixou estar. Anos se passaram. Isabel nunca achou que uma conversa via internet, mesmo que constante, fosse o suficiente para manter qualquer coisa. Eduardo  passou a ser mais conversador, mais extrovertido, mais olho no olho, mais homem sério e menos menino tímido. Em suas conversas diárias, Eduardo a tratava como uma irmã, e claramente se esforçava para ser um "brother". Mas em seus encontros anuais, ou as vezes e com muita sorte semestrais, Isabel percebia naquele rosto agora adulto, o mesmo olhar do menino apaixonado por ela quando tinham 14 anos. As vezes, em meio a uma gargalhada, percebia que ele segurava sua mão com uma leveza diferente. Percebia também que ele não a olhava como uma garota, mas como uma mulher. Isso não deixava Isabel incomodada, afinal, ela sempre soube do efeito que causava em Eduardo, e que qualquer movimento errado ou certo poderia mexer com aqueles momentos. Ela era cuidadosa, e tentava ser engraçada, brincalhona, desajeitada, bem ela mesma, bem sem charme e cerimônia. Mas, parecia que todos os esforços de Isabel em ser não charmosa, não sexy, não linda e não radiante nunca funcionaram. A cada palavra, Eduardo aparentava mais apaixonado. Em vista de toda essa situação, Isabel sempre se perguntou porque Eduardo nunca revelou seus sentimentos. Porque Eduardo insistia em fingir que a via como uma irmã, quando ela sabia claramente que ele sempre estava se segurando para beijá-la onde quer que estivessem. Até quando ele aguentaria ser apenas amigo de alguém que o fazia falar como um bobo e não conseguir disfarçar? Isabel refletia muito sobre isso. Talvez se a vida tivesse desenrolado de uma maneira diferente, e ela e Eduardo pudessem se ver todos os dias, será que ele finalmente soltaria esse fôlego e diria que sempre expia as suas fotos? Será que ele admitiria que ela é a mulher mais linda que ele já viu? Será que ele pararia de fingir que não se importa e ofereceria junto de seu ombro amigo um coração quente para Isabel ser carregada?
As vezes Isabel ficava com raiva. Ela não estava sendo esnobe. Eduardo era seu amigo. E ele certamente vivia em um conflito sentimental há anos. Isabel sempre soube o que Eduardo sentia. Isabel sempre soube que Eduardo sempre quis seu afago. Sempre soube que ele jamais encontraria alguém como ela. Que, se fosse pensar na possibilidade, seriam sim um bom casal. Na verdade, que ela seria o melhor tipo de mulher para ele. Eduardo sempre foi um dos motivos que fazia Isabel refletir sobre o quanto a timidez pode frustrar os planos de alguém.  Ele poderia ser feliz com ela. Mas ele se contenta em ter apenas uma amiga.  Quanto aos sentimentos de Isabel, ela preferia não pensar a respeito. . Ela apenas não gostava de pensar na ideia de uma vida sem Eduardo. Ele fazia bem. Ele a deixava confortável. Ele também não tinha mais 14 anos. Ele já era um homem. Isabel para sempre tinha marcado a vida de Eduardo. E Eduardo, bem, ainda luta e reluta, no medo de perder tudo o que construiu, mesmo não sendo o suficiente para si.

Nem por isso deixam de se divertir. A vida tem dessas coisas.  Isabel e Eduardo são sim melhores amigos.

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